sábado, 27 de março de 2010

pessoas lá e você cá.


People always leave. Foi exatamente isso que Bianca pensou quando ele saiu por aquela porta depois de dizer que não queria mais ser só dela. A justificativa usada foi que precisava ajeitar a cabeça, começar a realizar projetos e que não queria manter-se preso a uma só pessoa. Bianca sabia que essa não era a verdade. Imediatamente, fechou a porta, foi até a cozinha, abriu a geladeira vermelha que tinha um bilhete dele pendurado dizendo o quanto ela era linda, amassou o bilhete, pegou um vinho e sentou-se no chão gelado. A cada gole, lembrou de uma frase, uma música, uma mania, um vício, um gesto dele. Lembrou do jeito que ele passava as mãos no cabelo e o quanto excitante a cena costumava ser. Lembrou de todas as vezes que conseguia surpreendê-lo com um jantar, um livro ou um vinil quando ele chegava cansado do trabalho. E ela acreditava ser realmente boa nisso: surpreedê-lo. Lembrou de quando colocava uma camiseta cinza surrada do Dinosaur Jr que ele trouxe de presente quando visitou Milão, lia poesias de Fernando Pessoa enquanto ele ficava sentado imóvel na cadeira amarela com a xícara de café entre as mãos, ouvindo palavra por palavra e o olhar de ternura dele quando isso acontecia. E esse olhar sempre era lançado. Bianca pensou que não, não era possível que ele tivesse se cansado dela, assim, sem mais nem menos, tão rápido. Bianca não conseguia se conformar com a ideia de que as pessoas sempre arranjam uma maneira de ir embora, bater a porta da vida na cara de outra e dizer “tchau” em vez de “até breve”. Ela se questionava se tudo que eles haviam compartilhado e vivido não passou de uma mentira, passatempo, diversão temporária (pra ele). Foi mentira quando ele disse que foi abastecer o carro, viu o chocolate preferido dela, comprou três caixas, deu-lhe um beijo e disse que ela conseguia ser mais doce que todas as caixas juntas? Foi mentira quando ele ligou às cinco horas da manhã pedindo para encontrá-la e abraçá-la, pois tinha tido o pior pesadelo de todos os tempos? Foi mentira quando, em um show da banda dele, ele dedicou uma música a ela? E todas as músicas compartilhadas, todas as poesias que falavam de amor, todos os filmes que ela assistiu segurando o braço dele, e as ligações de madrugada, as mensagens românticas no celular, as caixas de chocolate, tudo mentira?
Bianca não conseguia entender como as pessoas conseguiam ser solitárias e felizes ao mesmo tempo. Como as pessoas conseguiam a proeza de estudar, trabalhar, cuidar da casa, ir à feira com o coração partido e fingir que não foram deixadas para trás. Todo mundo já foi deixado, já viu alguém querido partir e se não viu, é questão de tempo, pensou. Só ela tinha vontade de ficar trancada no quarto ao som de Frank Sinatra tentando entender o ponto que errou? Ou as pessoas que estudam, trabalham, cuidam da casa, vão à feira com o coração partido já passaram por tanta confusão mental que aprenderam a viver com a ferida mal cicatrizada?
Ela lembrou que não foi a primeira vez que foi deixada. Aquela amiga desde os doze anos mudou pro interior, o amigo que ouvia todas as dores e alegrias mudou de país, o avô de quem ela tinha lindas memórias da infância não estava mais aqui. Consegui sobreviver com a saída dessas pessoas da minha vida, por que não posso suportar o fato dele ter ido embora? Falou em voz alta. Afinal, ele ia continuar sendo o cara que ela namorou por dois anos para quem lia poesias, assistia filmes com os braços entrelaçados, tinha o nariz mais lindo que ela já viu e grudava bilhetes na porta da geladeira. E que a deixou com o coração partido, estraçalhado, diminuído, saltando pela boca.
Escreveu em um papel uma frase de Caio Fernando Abreu que gostava tanto: “meu coração está ferido de amar errado”. Grudou na porta da geladeira para que fosse obrigada a ler todas as vezes que passasse pela cozinha até se convencer de que a frase fazia sentido e que, people always leave, quer ela queira ou não. Afinal, ninguém morre de amor.

Um comentário:

Anônimo disse...

coincidências.