segunda-feira, 30 de maio de 2011

Uma doença chamada Ana (parte1)



Davi não consegue dormir. Eram 4:15 da manhã e seu único estimulo foi o de abrir a janela do quarto, acender um cigarro e tentar parar de pensar em Ana. Resolveu parar de fumar também, mas pra Davi o cigarro funciona como um botão liga/desliga; enquanto fuma, esquece um pouco dela, mas logo no próximo trago vem a lembrança que ele e Ana, compartilham da mesma marca de cigarro. Olha pro céu, pro prédio vizinho em busca de fuga, e tudo o que consegue é voltar o olhar pra dentro de seu quarto. Para o pôster ali, na parede em frente a sua cama. Seria menos doloroso se esse tal pôster não fosse do filme preferido de Ana. Quebrar, rasgar, vender, dar, tudo isso já foi pensado, mas apenas nos momentos de raiva, como se Ana fosse o pôster, mas falta a coragem. Num ato masoquista, a primeira música que vem a sua cabeça também esta relacionada com o filme, a uma conversa no carro, e a voz de Ana que dizia: “sabe de onde é essa música? do filme!”. Meio que em transe ele repete: no, I've never met anyone quite like you before. Quando da por si, está arrancando o pôster da parede, guardando por trás do armário, e pensando em dar aquela camisa que ganhou de Ana (sim, do mesmo filme) a um amigo, mas logo vem a imagem de outro corpo que não o seu, usando algo de Ana. Cansado de tantas outras notas mentais, Davi fala em voz alta: vou guardar tudo em um lugar só, bem escondido, e depois de um ano voltar a ver. Seria bom que isso fosse possível, porque quando uma pessoa se instala assim, como Ana em Davi, fica quase que impossível de extrair ou até ignorar. O maior erro que se pode cometer, é permitir que um alguém invada seu eu, e dele leve consigo as suas particularidades. Mas como evitar se as duas pessoas são parecidas demais? Davi, que nunca foi dessas coisas, começou a ler livros de auto-ajuda, a pedir conselhos pro horóscopo diário, e até acreditar que isso fazia parte de um inferno astral. Não era. Antes de tomar a decisão de esquecer Ana, ele tentou se relacionar com outras garotas, mas que de nada servia, apenas base para comparação. Tentou beber mais que o normal, pra ver se com uma bebedeira lavava Ana de seus pensamentos. Não conseguiu. Davi já estava cansado de tudo isso quando resolveu ficar só. É ficar só. Evitando magoar outras pessoas e a si. As mesmas roupas, o mesmo cabelo, as mesmas bebidas, pessoas e lugares, tudo aquilo começava a incomodar mais que o normal, onde a qualquer momento esperava que Ana entrasse por uma porta, e o tirasse Dalí. Tal situação meio que virou um ciclo vicioso, então vem a idéia de mudar de vida, ler coisas melhores, e até fazer um curso de comissário de bordo. Davi pensa muito em viajar, conhecer outras cidades e até países, outras pessoas, e quem sabe, até manter o mesmo ciclo vicioso em outro lugar. Mas essa mudança toda não adiantará se ele ainda levar as lembranças de Ana. Certo dia Davi acorda um pouco doente, e decide ficar mais tempo na cama, pra ver se com isso uma melhora vem. Sem querer acaba adormecendo e caindo em um sonho meio estranho, onde apresentava um programa de auditório, e fazia um número de canto e dança pra uma platéia de amigos. Alguém aperta pausa, e todos na sala se divertem com o vídeo, Pedro, Clara, Alice, Antônio e Ana; Que ri com um ar de ternura, achando divertido e vergonhoso. Olha pra Davi como a muito tempo não fazia, o puxa pelo braço, caindo assim no sofá ao lado dela, e sendo carinhosamente abraçado. Davi sente o cheiro e o calor de Ana, mas algo está errado, pois ele sabe que é um sonho, mas dentro dele finge se enganar só pra abraçar Ana por mais um tempo. Acorda. O que era lindo virou um pesadelo, nem mais direito de sonhar ele tem, onde antigamente era o seu refugio, agora foi invadido e dominado por ela. Costumava ser bonito, engraçado, e as vezes até charmoso; depois dela não penteava mais os cabelos, deixava o humor em segundo plano, não se perfumava mais, e nem escolhia direito suas roupas. Parou de sair com o intuito de conhecer novas pessoas, os seus amigos eram o bastante, e por isso não sentia vontade de ser bonito, porque ali não rolaria nada. Podia sorrir, chorar, contar piadas sacanas, e até fazer comentários mais ácidos de que o normal, que ficaria tudo bem. Os amigos por sua vez, notavam algo de diferente nele, aquele comportamento não era natural de Davi. Uma amiga chegou até a perguntar se tudo estava bem, o porquê da mudança de comportamento, e recebeu um “está tudo bem” como resposta. Mentira. Agora Davi espera e luta para tentar extrair Ana cada dia um pouco de si, e pensa nele mesmo como uma rosa fantasiada de raposa. Sempre tentando cativar os outros, gastando sua boa vontade e sorriso, mesmo sabendo que no final vai ser abandonado, para que esse outro alguém já cativado, consiga achar a sua rosa. É certo que nessa vida estamos apenas de passagem, por muitas vezes e principalmente em momentos de raiva, achamos que isso tudo é bobagem e que nada no mundo importa, que pode viver sem; mas todo mundo quer um amor, um alguém pra cuidar, pra dar aquele bom dia de verdade, e todo dia gastar os melhores sorrisos. A pergunta que sempre fica na cabeça de Davi é: quando é que a fantasia de raposa não mais caberá, e alguém verá uma rosa? Quem vai querer uma cheia de espinhos, com algumas pétalas murchas e cheirando a fritura e alho?

quarta-feira, 25 de maio de 2011

além-amor.



Carta n° 1


Querido Carl,
Sabia que você é minha pessoa-motivo?
Bebo duas xícaras de café ás 7 da manhã enquanto leio o jornal e lembro-me de você.  Vou pro meu subemprego, me estresso o dia inteiro, vou pro curso de informática, enfrento duas horas de trânsito pra pegar as crianças na escola. Ouço o rei Roberto e lembro-me de você. Até quando estou na fila do banco estou pensando em você. Saio de casa ás 8 da manhã e volto ás 23 horas com um sorriso estampado no rosto porque sei que vou te abraçar. Você é a pessoa-motivo que me faz continuar sobrevivendo e suportando. É o girassol na lama que é minha vida.

Carta n° 2
Querido Carl, amor de muito
Eu queria te colocar numa caixinha, pois só assim não teria como a gente se desgrudar um minuto sequer. Eu te alimentaria com paçoca e coca-cola e te levaria ao futebol nas quartas-feiras. No inverno, eu te aqueceria com um lençol preto e vermelho e faria trinta minutos de cafuné.
Dá um jeito de caber na caixinha? Eu prometo não te sufocar.

Carta n° 3
Querido Carl, com dor
Estou te esperando há cinco dias. Já não tenho mais unhas devido a ansiedade que anda incontrolável. Há cinco dias você está imóvel num quarto de hospital frio e com paredes tão brancas que me dão ânsia de vômito. Para amenizar minha dor, eu canto todos os dias no seu ouvido.
Sabia 
Gosto de você chegar assim
Arrancando páginas dentro de mim
Desde o primeiro dia
Sabia
Que ia acontecer você, um dia
E claro que já não me valeria nada
Tudo o que eu sabia
Um dia
Estou tão esperançosa quanto a sua recuperação que até comprei balões e coloquei cortinas coloridas para quando você voltar pra casa. E pra mim. Eu nunca entendi porque muita-saudade não tem hífen.

Hoje, Carl tem trinta e quatro anos e ainda não abriu as cartas.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

o cansaço.


a gente vai cansando de ter diálogos forçados com pessoas desinteressantes, ter que cumprimentar quem a gente odeia e sorrir como se a vida fosse flores.
a gente vai cansando de esperar de segunda a sexta a hora que o expediente termina. e vai cansando de ter dor na coluna, ter que fazer feira, ir ao salão fazer pé, mão e depilação.
a gente vai cansando de ouvir o Sgt Pepper's, comer sempre o mesmo sabor de pizza, beber a mesma marca de cerveja e ter ressaca nos finais de semana.

a gente vai cansando de fingir que está feliz, quando estamos desabando. a gente vai cansando de sentir angústia, ansiedade, remorso, medo. a gente vai cansando de se justificar, do esforço diário para continuar lúcido, de procurar a felicidade plena.

e a gente vai cansando de esperar esperar esperar
que o tempo
pare
ou
passe.

a gente vai cansando cansando cansando cansando de cansar.

até que a gente trava.