domingo, 21 de março de 2010

minha paixão platônica e o mais ridículo que isso possa soar.

O ano era 2004 e o local era Gramado, no Rio Grande do Sul. Como era vinte e três de dezembro, a cidade toda estava com decoração natalina, nas ruas havia grandes caixas de som com um grande laço vermelho onde tocavam músicas bonitinhas e ás vezes até ópera; as pessoas davam a impressão de que haviam sido picadas pelo mosquito do consumismo, pois seguravam mais sacolas do que conseguiam. O hotel era marrom, ficava em um grande descampado verde e de frente para a Aldeia do Papai Noel. No dia seguinte a minha chegada, o céu já estava escurecendo quando voltei ao hotel e encontrei um carregador de malas na porta. Ele não era muito alto, mas também não era muito baixo, tinha cabelos pretos um pouco arrepiados e estava parado com as mãos no bolso. Ele sorriu e disse: feliz natal. Ele tinha uma voz grave tão bonita e um jeito de ficar parado com as mãos no bolso que despertou minha atenção.
Janeiro chegou com 2005, e uma das melhores partes da viagem era voltar ao hotel e ouvir do carregador de malas: “boa tarde” ou “boa noite”. E foi aí que ele tornou-se minha primeira paixão platônica.
Certo dia chuvoso que media treze graus, avistei uma loja de discos e vinis que tinha na vitrine um violoncelo enorme e imediatamente entrei. Após dissecar toda a loja, comprei alguns discos e voltei caminhando para o hotel com o vento gelado batendo no rosto. Alguns dias depois, fui tomar o café da manhã sozinha já que sempre sou a última a acordar e me deparei com o carregador de malas no elevador. Fiquei envergonha de olhá-lo no rosto e por isso, fixei nas mãos dele. Sem mais nem menos, ouço: “não conheço mais ninguém que goste de Placebo fora você, eu e meu irmão.” Fiquei em êxtase, sem saber o que responder e provavelmente fiquei vermelha. Não lembro o que respondi e o que conversamos logo depois, mas lembro que vi um piercing na língua e fiquei desejando segundo por segundo que o elevador fosse o mais devagar possível.
No café da manhã, tentei organizar minha cabeça e repetia mentalmente tentando me convencer do quanto eu era idiota. Como eu conseguia ficar tão desconcertada na presença de um desconhecido? Como podia ficar apaixonada por alguém que só me falava o habitual “boa noite”? Como ele viu que um dos discos era do Placebo?

Eu nem sequer sabia o nome dele. Tudo que eu sabia era que ele tinha um piercing na língua, trabalhava como carregador de malas de um hotel de Gramado, gostava de Placebo e era lindo.

O final de janeiro chegou e minha hora de partir também. Coloquei o disco em uma sacola branca e decidi que ia dar de presente o dito cujo para ele quando ele aparecesse para pegar as malas. Afinal, eu ia voltar para a minha rotina, ia olhar as fotos da viagem e, portanto, só ia conseguir imaginar o sorriso dele. Pensei que o presenteando com o disco, ele ouviria e lembraria que ganhou de uma hóspede qualquer. Assim, nutri a idéia de que um dia ele iria lembrar-se de mim.
Ele não apareceu e nunca mais o vi.

Voltei para Recife, ouvi mil vezes todas as músicas do disco até cansar, lembrei mil vezes do sorriso, das mãos no bolso, do elevador e conclui que paixão platônica existe sim, já que, até então eu pensava que isso era coisa de gente que gostava de fantasiar, como uma amiga minha que esteve apaixonada platonicamente por um amigo do irmão dela.
Hoje de manhã, depois de muito tempo, tive vontade de ouvir o disco do começo ao fim e como foi inevitável, lembrei da minha primeira paixão platônica, que infelizmente não lembro mais o rosto.

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